Uma Vindima de 1913
A Região Demarcada do Douro é sinónimo de toda uma cultura vinícola, expressada nas pessoas, no vinho e na paisagem moldada pelo Homem, na qual, e fazendo uso do poema de Alberto Caeiro, podemos vislumbrar a paisagem vinhateira em socalcos ou com vinha ao alto “até onde a vista alcança”.
No Douro vinhateiro a época de vindima é o apogeu de um ano de trabalho, em torno da vinha que culmina na apanha desse fruto, que origina a bebida que os gregos dedicavam ao deus Baco.
No Douro as vindimas fazem-se por todo o lado, mas é em S. João da Pesqueira que ganham destaque. O concelho de S. João da Pesqueira possui a maior área de vinha em toda a região, é o maior produtor de Vinho do Porto e é o detentor da maior área classificada como Património Mundial pela Unesco.
Há muito que as vindimas em S. João da Pesqueira são motivo de notícia. Exemplo disso é o artigo do jornal O Seculo, publicado a 10 de Novembro de 1913, que retrata as vindimas na quinta da Fragozela, que à data possuía o “lindo solar um dos mais caracteristicos de Portugal”, hoje conhecido como Palácio do Cabo.
Neste artigo replicamos essa notícia, tentando retratar o mais fielmente o texto original. Mantemos por isso a escrita da época alterando apenas a posição das imagens que no original apareciam a meio do texto.
Veja a seguir a curiosa publicação, as imagens da vindima e o Palácio do Cabo no ano de 1913.
Fachada principal da quinta da srª Baroneza de Fragozela em Pesqueira
"A vindima por esse paiz além é uma festa meia pagã sobretudo ao acabar. Emquanto os homens e o mulherio andam na vindima ao sol enchendo os cestos com os cachos pesados da ferral e da uva branca, só de quando em quando, sôa uma canção. Aquilo, conforme a colheita, é, um carreiro maior ou menor de vindimadores entre as cepas. Em Rio Frio, o imperio do vinho, é uma legião. O trafego é uma inferneira."
Uma videira na propriedade da srª baroneza de Fragozela curas uvas pesavam 23 kilos
"Nas propriedades mais pequenas ainda assim ha movimento e vida porque não ha mais alegre trabalho do que uma vindima como não ha nenhum mais extranho do que uma pisa. Os sistemas modernos roubaram-lhe o pitoresco, esse cunho bachico, essa nota extravagante que o primitivo trabalho tinha."
Os operarios da vindima da quinta da srª baroneza de Fragozela organisando um cortejo para tornejarem a vila entoando os canticos de despedida do S. Miguel das uvas.
"Os homens arregaçados até as virilhas saltavam para o lagar ; começavam o piso e á medida que o bago ia deitando o seu sumo, subindo, enchendo os lagares os homens transformavam-se como por magia. Era como um balancear de faunos n'uma epilepsia ás vezes, outras ritimico e. quando a vindima acabava e a uva ia ferver começava então a festa, esse resto extranho, esse farrapo de paganismo em que havia saltos, cabriolas, vinho do ano anterior á festa."
Pisando as uvas
"Andavam de porta em parta, atravessavam as vilas cantando, abençoando o fim do trabalho e o ganho, enaltecendo em rimas improvisadas a uva de que se ia gerar o bom vinho. Foi uma festa assim que se fez nas propriedades da sr.ª compassado metodico como de maquinas."
Colhendo os cachos na propriedade de Fragozela
"Saíam pintados de rôxo, as pernas, os rostos suados e tambem lambuzados e assim iam para as refeições tontos n'aquela marcha n'um espaço curto. Depois baroneza de Fragozela em Pesqueira, depois da abundante vindima d'este ano, havendo descantes e bailados diante do lindo solar um dos mais caracteristicos de Portugal."
Condução das uvas para o lagar.(clichê do sr. Antonio dos Santos Fontes)
Esta foi uma pequena notícia para o jornal O Seculo em 1913, mas hoje é uma publicação que retrata e nos leva no tempo para as vindimas e as tradições da época. Não apenas o texto nos deixa elementos interessantes, como as imagens retratam como seria a vindima e a cultura duriense.
Em breve traremos mais informações e imagens do Douro “antigo”, por isso, deixe o seu contacto em baixo e não perca as nossas próximas novidades.