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A mais antiga vila de Portugal
É o primeiro foral atribuído a terras localizadas no interior das atuais fronteiras do território português. Foi outorgado por Fernando Magno, provavelmente entre 1055 e 1065. Tinha como destinatários os povoados de S. João da Pesqueira, Paredes da Beira (que é freguesia deste concelho), e de algumas localidades limítrofes.
O foral foi confirmado posteriormente por D. Afonso Henriques, D. Afonso II, D. Afonso III e D. Manuel I. Se uma Carta de Foral reconhece ou estabelece um povoamento num determinado território senhorial, então S. João da Pesqueira é a vila mais antiga reconhecida como pertencente ao território que hoje compõe Portugal.
Neste artigo iremos explorar esta primeira Carta de Foral atribuída a S. João da Pesqueira, pois, como refere António Matos Reis: “porque ele é o cordão umbilical que estabelece a ligação entre os forais portugueses e os seus precedentes, entre os nossos municípios e os seus vizinhos do outro lado da fronteira: os municípios leoneses”.
O QUE É UM FORAL?
Segundo o dicionário Priberam, um foral é uma Carta soberana que, regulando a administração de uma localidade, lhe dava certas regalias.
Uma Carta de Foral, ou simplesmente Foral, foi um documento real utilizado em Portugal, que visava estabelecer um Concelho e regular a sua administração, deveres e privilégios.
Eram a base do estabelecimento do município e, desse modo, o evento mais importante da história da vila ou da cidade. (…) O Foral tornava um concelho livre do controlo feudal (…). Por conseguinte, a população ficava direta e exclusivamente sob o domínio e jurisdição da Coroa, excluindo o senhor feudal da hierarquia do poder (educalingo.com).
Respeitando a importância dos costumes e vivência de cada localidade, a Carta de Foral fixava um conjunto de regras, principalmente de direito público, tais como:
- Liberdades e garantias das pessoas e dos bens dos povoadores;
- Impostos e tributos;
- Composições e multas devidas pelos diversos delitos e contravenções;
- Imunidades coletivas;
- Serviço militar;
- Encargos e privilégios dos cavaleiros vilãos;
- Ónus e forma das provas judiciárias, citações, arrestos e fianças;
- Aproveitamento dos terrenos e pastos comuns.
A HISTÓRIA QUE LEVOU AO FORAL MAIS ANTIGO DE PORTUGAL
Em 1055, o emirado árabe de Córdova atravessava uma fase extremamente complicada. Abalado por rivalidades políticas internas e guerras civis, vê iniciar-se um processo de desmembramento que dará origem às frágeis unidades conhecidas como reinos de taifas. A conjuntura começava a ser favorável às armas cristãs.
Naquele ano, o monarca leonês Fernando Magno empreendeu uma forte campanha militar na atual província da Beira. Depois de ter atravessado o Douro em Zamora, o seu exército venceu diversos recontros com o adversário e apoderou-se de alguns castelos e povoados fortificados anteriormente tomados e perdidos por cristãos e muçulmanos. Seia foi a primeira grande conquista. A ela outras se seguiram. Em 1057, as suas tropas já se haviam assenhoreado de Viseu (onde terá combatido o Campeador), Lamego e Tarouca. Após um período de relativa acalmia, a campanha foi retomada, culminando na tomada de Coimbra em 1064. A Reconquista fixava-se na linha do Mondego. Importava então consolidar o domínio sobre os territórios ocupados. E é neste processo que se enquadra a outorga do foral a que nos vimos referindo.
O PRIMEIRO FORAL
Como já foi mencionado, o primeiro foral do território que hoje perfaz Portugal, foi atribuído por Fernando Magno entre os anos de 1055 a 1065, o que faz de S. João da Pesqueira a vila mais antiga de Portugal. Posteriormente quatro reis confirmaram este foral: D. Afonso Henriques (enquanto ainda era Infante), D. Afonso II (outubro de 1217), D. Afonso III (a 1 de setembro de 1256) e D. Manuel I (a 1 de junho de 1510).
De modo a não tornar este artigo muito extenso, apenas se deixa a tradução do foral de D. Afonso III. Contudo, partilhamos, com todos, os forais já referidos anteriormente.
CONFIRMAÇÃO DO FORAL POR D. AFONSO HENRIQUES
CONFIRMAÇÃO DO FORAL DE D. AFONSO II
CONFIRMAÇÃO DO FORAL DE D. AFONSO III
TRADUÇÃO DA CONFIRMAÇÃO DO FORAL DE D. AFONSO III
Para melhor leitura, separamos o texto por parágrafos.
"Em nome de Cristo e na sua graça. Saibam quantos esta carta virem que eu Afonso pela graça de Deus rei de Portugal e conde de Bolonha vi a carta de foral que o ilustríssimo e de felicíssima memória D. Afonso meu bisavô, rei de Portugal, concedeu ao concelho de S. João da Pesqueira que tal é. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, amen.
Eu, rei D. Afonso de boa memória [sic] querendo fazer justiça e dilatar os meus territórios e povoá-los com bom foro dou ao concelho de S. João da Pesqueira a mesma justiça e carta de foral que o meu bisavô rei D. Fernando lhe concedeu e esse mesmo foral concedo-lho e confirmo-lho para que se observe e se cumpra por todo o tempo. Este mesmo foral outorgou-o o rei D. Fernando para que, em cada ano lhe dessem, ou ao seu vigário, parada da maneira seguinte: cada homem que tiver mulher, casa e herdade há mais de um ano dê de parada régia dois pães, um de trigo e outro de centeio e um almude de vinho e outro de cevada e com o dito rei ou seu vigário, uma vez no ano corram os montes e quanto trouxerem, seja carnes, seja peles, tudo pertence ao rei ou ao seu vigário.
E no dia em que correrem os montes o dito rei ou o seu vigário devem dar uma refeição aos homens que com ele façam montaria. E se algum homem cometer homicídio ou rouso pague sessenta soldos ao Palácio e o mesmo de vizinho a vizinho quer seja mordomo quer seja vizinho. E se alguém acusar homem de homicídio ou violação e se ele não o reconhecer dê fiador em cinco soldos e livre-se por testemunho de cinco homens bons sendo ele o sexto. E se um homem por crime roubar [gado] e tal for comprovado por inquirição pague nove por um e desses nove duas partes sejam para o dono do gado e sete partes para o Palácio e se não se reconhecer culpado justifique-se com juramento. E se algum homem ou homens fizerem roubo ou furto ou presa em terra alheia sobre mouros ou sobre cristãos, deem o quinto ao Palácio; e se for penhora conhecida contra cristãos paguem-se e do remanescente deem o quinto ao Palácio.
E se algum homem fizer mal a seu vizinho e se entre si se concertarem nada pague ao Palácio. E se não se harmonizarem a ofensa seja levada ao Palácio. E por um murro pague um soldo e por uma bofetada cinco soldos e por puxar os cabelos cinco soldos. E por homem fechado em casa com armas trinta soldos; e se o tirarem de sua casa à força trinta soldos; e por uma bastonada ou pedrada, se não provocar derramamento de sangue pague um soldo, mas se houver derramamento de sangue pague cinco soldos. E se um homem puxar de lança ou espada e não ferir não pagará nenhuma multa; e se as lançar com intenção de ferir e efetivamente não ferir perca a arma. E se espetar com lança sem atravessar pague cinco soldos e se atravessar pague dez soldos. E se um homem, por força, mergulhar outro com má fé pague dez soldos. E se algum homem, por má fé, atirar com merda à cara de outro homem, pague trinta soldos. E se um homem cometer muitas ofensas contra outro numa hora pague apenas por uma. E se dois homens, ou três, ou mais ferirem outro homem, o lançarem por terra e o ofenderem, paguem trinta soldos. E por nenhuma ofensa se dê fiador a não ser para o queixoso. E se alguma mulher casar com o melhor homem da vila pagará de osas cinco soldos e se o homem for de menor condição pagará menos. E se um homem ou mulher disser ao seu vizinho ou a sua vizinha que é amante de fulana ou fulano e não o provar com inquirição pague trinta soldos ao Palácio e seja homiziado; e não pague nenhuma multa por outro insulto. E devem levar de um castelo a outro cartas e presos e não mais. E se os não quiserem levar paguem uma cera. E devereis ir a apelido contra os mouros quanto puderdes e contra os cristãos tanto quanto possais regressar a casa no mesmo dia exceto se fordes na companhia do rei.
E se, entre vós, algum clérigo ou leigo for morto ou cativo e tiver parentes não paguem manaria ou lutuosa. E se não tiver parentes, do que possuir dê duas partes ao Palácio e a outra pela sua alma. E se matar veado com cães ou em armadilha dê um lombo ao Palácio e de javali não dê nada e de urso dê duas mãos. E se algum homem assaltar casa alheia à força pague em dobro quanto daí tirar e se nada tirar pague cinco soldos ao Palácio E da pesqueira deem a metade ao Palácio e das pesqueiras antigas deem a quarta parte e daquelas onde trabalhe um só homem nada paguem. E se um homem deixar uma vila e for para outra ou para outras terras estranhas faça o que entender de sua herdade e não pague quarta nem coisa nenhuma. E se desejar aí conservar sua herdade pague parada como os vizinhos. E se um homem abandonar a sua mulher e não dividir com ela seus bens nada pague; e se os dividir e depois a receber de novo pague osas. E o concelho administre suas igrejas com sob a jurisdição do seu Bispo sem outro senhor. E se um homem emprestar alguma coisa a um seu vizinho e o vizinho, por má fé, a não restituir, e houver recurso à justiça pague a metade ao Palácio. E se o vizinho der fiança coagido pela justiça pague o dano na totalidade ao queixoso e mais metade ao queixoso e ao Palácio. E se um homem talhar pés ou mãos ou arrancar olhos pague cinquenta soldos. Mas se for só um olho, ou uma mão ou um pé pague tanto como pagaria por meio homicídio. E nesse caso não corra juízo, apenas inquirição direta; e se não for por inquirição resolva-se a questão por acordo mútuo. E mando que não respondam sem estar presente o queixoso.
E eu sobredito Dom Afonso pela graça de Deus Rei de Portugal e Conde de Bolonha vista a carta de foro que o meu bisavô Rei Dom Afonso de boa memória deu e concedeu aos povoadores de S. João da Pesqueira tanto presentes como futuros, concedo-lha e confirmo-lha por esta minha carta aberta que lhes mandei fazer com o meu selo. Feita na Guarda no dia 1 de Setembro, era de 1294 .
[1ª col.]
Dom Gonçalves Garcia, tenente da Terra de Neiva, alferes da Cúria
Dom Gil Martins, mordomo da Cúria
Dom Afonso Teles, tenente da Terra de Bragança
Dom André Fernandes, tenente da Terra de Riba Minho
Dom Afonso Lopes, tenente da Terra de Sousa
Dom Diogo Lopes, tenente da Terra de Lamego
Dom Martim Gil, tenente da Terra da Beira
Dom Pedro Pôncio, tenente de Baião Mendo Rodrigues tenente da Maia
[2ª col.]
Dom Martinho, Arcebispo de Braga
Dom Aires, Bispo de Lisboa
Dom Egas, Bispo de Coimbra
Dom Julião, Bispo do Porto
Dom Rodrigo, Bispo da Guarda
Dom Martinho, Bispo de Évora
Dom Egas, Bispo de Lamego
Dom Mateus, [Bispo] Eleito de Viseu
[3ª col.]
Dom João de Aboim
Dom Mendo Soares de Melo
Dom João Soares Coelho
Dom Egas Lourenço da Cunha Rodrigo Pedro de Espinho (Sobrejuízes-testemunha)
Paio Pais (Sobrejuízes-testemunha)
Dom Estevão Eanes chanceler
André Simões notário da Cúria o escreveu"
FORAL DE D. MANUEL I (trecho)
As Cartas de Foral foram importantes documentos que estabeleciam e regulavam a administração de determinado concelho ou povoado no território que hoje se denomina de Portugal.
A primeira Carta de Foral conhecida pertence a S. João da Pesqueira, outorgada por Fernando Magno entre 1055 a 1065.
S. João da Pesqueira é uma terra milenar cheia de lugares históricos, tradições, e personagens marcantes. Na página dedicada ao turismo do Município de S. João da Pesqueira poderá ver a importância e grande riqueza da vila mais antiga de Portugal.
FONTES
Educalingo (https://educalingo.com/pt/dic-pt/foral) acedido a 16.03.2020
Dicionário Priberam acedido a 16.03.2020
Forais de S. João da Pesqueira, Barros Amândio, Câmara Municipal de S. João da Pesqueira, 2001