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PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL REUNE COM O BASTONÁRIO DA ORDEM DOS ADVOGADOS CONTRA O ENCERRAMENTO DO TRIBUNAL DE S. JOÃO DA PESQUEIRA
Na sequência da reunião do dia 25 de Setembro (quarta-feira), na sede da Ordem dos Advogados, em Lisboa, na qual participou o Presidente da Câmara Municipal de S. João da Pesqueira, José Tulha, e para a qual também foram convidados todos os Presidentes das Câmaras Municipais e Presidentes das Assembleias Municipais, e que estiveram presentes o Bastonário da Ordem dos Advogados, Dr. António Marinho e Pinto e os Presidentes das Delegações de Comarca da Ordem dos Advogados, para analisarem em conjunto as implicações da nova Lei de Organização do Sistema Judiciário, publicada no passado dia 26 de Agosto (Lei nº 62/2013).
Foi publicada a seguinte moção que se encontra disponível no website oficial da Ordem dos Advogados: http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=31632&ida=128234
Moção: O Novo Mapa Judiciário
MOÇÃO
O n.º 1, do artigo 20.º, da Constituição dispõe que “a todos é assegurado o acesso ao Direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”.
A garantia fundamental do acesso aos tribunais é uma concretização do princípio do Estado de Direito que apresenta uma dimensão prestacional na parte em que impõe ao Estado o dever de assegurar meios tendentes a evitar a denegação de justiça por insuficiência de meios económicos.
Em texto que mantém toda a actualidade, a Comissão Constitucional, com referência à versão originária da Constituição, afirmou no Parecer n.º 8/78, de 23 de fevereiro), a tal propósito: “Ao assegurar o «acesso aos tribunais, para defesa dos seus direitos», a primeira parte do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição consagra a garantia fundamental que se traduz em confiar a tutela dos direitos individuais àqueles órgãos de soberania a quem compete administrar a justiça em nome do povo – os Tribunais. A defesa dos direitos e dos interesses legalmente protegidos dos cidadãos integra expressamente o conteúdo da função jurisdicional.
Está assim o legislador constitucional a consagrar uma aplicação concreta do princípio sancionado no n.º 2 do artigo 13.º, segundo o qual «ninguém pode ser [...] privado de qualquer direito [...] em razão de [...] situação económica».
O sentido do preceito, na sua parte final, será antes o de garantir uma igualdade de oportunidades no acesso à justiça, independentemente da situação económica dos interessados.”
No início da década de 1970 existiam, em Portugal, 208 tribunais. Em 2011 eram 327. Apesar do aumento de infraestruturas, durante o mesmo período os processos pendentes na Justiça cresceram quase dez vezes: em 1972 havia pouco mais de 175 mil processos por resolver nos tribunais portugueses, enquanto que em 2011 o número ultrapassava 1,7 milhões. É certo que hoje dão entrada mais processos na Justiça: se no começo da década de 1970 entravam, anualmente, 242 mil acções nos tribunais, há dois anos deram entrada mais de 804 mil. De acordo com os dados do Ministério da Justiça o maior salto no número de tribunais aconteceu entre 1981 e 1982, quando Portugal passou de 218 para 304. Desde 2009 até 2011, último ano disponível de dados, o número de tribunais judiciais estabilizou nos 327. No que diz respeito ao número de magistrados, em 1972 havia 429 judiciais e 248 no Ministério Público. Quase 40 anos depois, os números subiram para 1748 e 1459, respectivamente.
A estas realidades o governo de Portugal oferece como solução um novo mapa judiciário que concentra, desqualifica e encerra Tribunais.
A Lei da Organização do Sistema Judiciário, Lei n.º 62/2013 de 26 de Agosto, estabelece as normas de enquadramento e de organização do sistema judiciário.
Depois de reconhecer que os Tribunais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, desqualifica a esmagadora maioria dos Tribunais, ao reduzir de forma drástica o número de Comarcas, deixando estas territorialmente de corresponder ao território dos municípios.
A reforma a que se procedeu deslocaliza a função judicial para as novas comarcas, valorizando a capital do distrito e esvaziando de competências os Tribunais que se mantenham nos restantes municípios dos distritos respetivos.
A reforma em curso constrange direitos constitucionalmente garantidos e atinge o núcleo essencial do Estado de Direito.
Para além do encerramento de tribunais, prevê-se a desqualificação de todos os tribunais, que não se situem na capital de distrito, que passam a instâncias locais, seja como secções de competência genérica ou como secções de proximidade.
A desqualificação começa, desde logo – o que, em si mesmo, seria o menos relevante -, pela alteração da sua designação, já que o Tribunal Judicial das Comarcas extintas passará a ser designado por instância local do Tribunal Judicial da Comarca criada e correspondente à capital de distrito.
Os Tribunais Judiciais da Comarcas extintas pela citada Lei, que servem os cidadãos do seu concelho, têm hoje competência genérica e estão em condições de decidir todas as matérias que lhe sejam submetidas pelas partes, independentemente do valor ou da moldura penal.
Com a reorganização em curso, esses mesmos Tribunais – mesmo aqueles que se mantenham em funcionamento - tramitarão apenas os processos cujo valor não exceda os cinquenta mil euros e julgarão tão só os crimes puníveis com pena de prisão igual ou inferior a cinco anos.
De igual modo serão afastados desses Tribunais, todas as matérias que integrem secções especializadas que venham a ser criadas nas Instâncias Centrais.
É intolerável e representa um golpe brutal desferido contra todo o país e com especial incidência no interior, já fustigado com outras reformas, designadamente na área da saúde, que contribuem para uma crescente desertificação do território e isolamento das suas populações.
Com efeito, esta realidade, inaceitável, cria situações graves no domínio fundamental do acesso das populações ao Direito e aos Tribunais, e se hoje, em particular pelo quadro económico negativo vivenciado já são comuns as faltas de intervenientes processuais nas diligências para as quais são convocados, por incapacidade para suportar as despesas de deslocação ao Tribunal, assumir um distanciamento tão vasto como o proposto irá propiciar o aumento destas situações e um consequente atraso na justiça.
É insustentável, e impróprio de um Estado de Direito Democrático, que se transfira para os cidadãos, o preço de uma Justiça especializada, já que as deslocações e os custos associados serão incomportáveis para aceder à justiça e aos Tribunais.
Não há Estado de Direito sem Justiça e a Justiça tem que ser administrada em nome do povo por órgãos de soberania que são os Tribunais!
Tendo a Ordem dos Advogados como principal atribuição a defesa do Estado de Direito e a defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos está, como sempre esteve, empenhada no combate a um sistema judiciário que não serve o interesse das populações.
Sendo os Municípios baluartes da cidadania não podem demitir-se de representar as suas populações e de defender o direito a uma Justiça Pública, administrada por Tribunais, com garantias constitucionais de imparcialidade e de igualdade.
Considerando o exposto e tendo em conta a Lei 62/2013 de 26 de Agosto, designadamente o disposto quanto à sua entrada em vigor, apresenta-se a seguinte proposta de deliberação:
1 - Criar uma Comissão conjunta, com representantes da Ordem dos Advogados e dos Municípios para acompanhamento da regulamentação da Lei de Organização do Sistema Judiciário e do Regime de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais.
2 – Promover um protesto nacional, organizado pela Ordem dos Advogados e pelos Municípios que se associem, na sede de todos os concelho, em data a designar, logo após a divulgação das propostas legislativas e de regulamentação da Lei de Organização do Sistema Judiciário e desde que as mesmas concretizem a desqualificação ou encerramento de Tribunais;
3 – Pugnar pelo reconhecimento de uma Justiça administrada pelos Tribunais, que são órgãos de soberania e reprovar a opção política de reforço de competências dos meios alternativos de resolução do litígio, que se traduzem na diminuição e até eliminação de garantias ao cidadão e representam uma forma de denegação de justiça.
Lisboa, 25 de Setembro de 2013